DESERTO EM MIM

Fez-se deserto. Árido, seco e palpável. Perfeitamente palpável. A boca seca e de lábios rachados já nem forças tinha para buscar no âmago o que antes lhe era tão farta.

Fiquei assim, abandonada por ela, jogada às traças, à espera de um milagre, ou de apenas uma pontinha de esperança. Alguma, mesmo que pequena e sutil, mas que servisse de anódino para os meus dias de calor intenso.

E a boca, que antes era carnuda e cheia de vida, hoje é nada mais que uma sombra murcha e aflita. Antes disso: é uma sombra do que já foi um dia. Uma sombra que se recorda das glórias que colheu quando ela, que sumiu sem deixar rastro, ainda perambulava pelos meus arredores.

Com saudosismo me recordo dos tempos em que me visitava, e consigo trazia a certeza maliciosa de que nos divertiríamos no período em que estivéssemos uma em companhia da outra. Eram sempre agradáveis e prazerosos os momentos compartilhados. Deles extraíamos o que de mais intenso uma relação podia provocar. Éramos cúmplices, amantes, parceiras de vida. Sabíamo-nos, e não bastava mais que uma troca de olhares para que uma flertasse com o desejo oculto da outra. Eram dias felizes os nossos. E produtivos.

Agora passo esses mesmos dias tentando capturar suas gotículas que às vezes respingam na minha vidraça mental. São partículas puras, mas que evaporam com a mesma velocidade dos meus pensamentos mais efêmeros. Ela me deixou só, desamparada, e completamente seca. Fez-se deserto em mim, e dos dias fartos que eram preenchidos com sua doce presença sobraram apenas as lembranças. Não sei por onde ela anda, não sei. Só rezo baixinho, todos os dias, para que os adorados e reverenciados deuses de minha amada, a criatividade, tragam-na de volta para os meus braços. E que o escuro e seco que me habita dê lugar, enfim, ao que de mais belo eu puder alcançar.