terça-feira, 17 de junho de 2008

ENTRELINHAS


Era fã das entrelinhas. Suspirava cada vez que lia nos poemas indecentes e nas prosas recatadas as palavras escondidas do olho nu – era no subjetivo que fazia a festa e se lambuzava de tanto imaginar histórias que podiam simplesmente acontecer, caso a imaginação levasse para o mundo que as entrelinhas propunham. Cresceu rodeada de literatura, de todos os tipos, e por isso considerou a remota possibilidade de desempenhar em sua própria vida - vida real, palpável - o papel de uma daquelas personagens que enchiam seus dias de graça e cor. Ela só não contava com um detalhe: a entrelinha da vida não era tão doce quanto a do papel. E só foi perceber o amargor de se decifrar uma entrelinha mal articulada quando entendeu um sinal errado e mudou a rota. Pensou em voltar, refazer o caminho, mas não faria mais sentido... depois de analisar com cuidado todos os passos que havia dado concluiu que aquele caminho era sem volta, e que a história que podia “simplesmente acontecer”, aconteceu de forma contrária ao que ela havia imaginado. As entrelinhas da vida não eram tão manipuláveis quanto as dos poemas indecentes: elas tinham vida e vontade própria. E o que era poesia e cor, ficou sem graça e sem sabor. As entrelinhas, pela primeira vez, se tornavam um empecilho.

A maturidade veio e com ela todas as responsabilidades de uma vida regrada e cheia de praticidade. Era a realidade da existência que lhe chamava todos os dias para o “preto no branco” das intenções. Percebeu que entrelinhas raramente cabiam, e tratou de se acostumar com a dureza de conviver com linhas bem traçadas e palavras definidas. É bem verdade que achou até mais confortável, uma vez que não precisava usar a imaginação para perceber intenções, mas sentia falta das entrelinhas que antes lhe davam a doce ilusão de que poderia comandar e articular a vida da forma que melhor lhe conviesse.

Hoje ela ainda enxerga as entrelinhas. Sempre que as encontra faz uma festa interna, pois ao enxergá-las tem a certeza de que ainda está viva. Percebeu que elas servem para alimentar seu fogo interno e manter aquecida sua sensibilidade, mas sabe e até prefere que sua vida continue seguindo de forma prática e sem subjetividade. Deixou as entrelinhas para a literatura, de onde nunca deveriam ter saído. E no resto prefere o preto no branco, sempre.

4 comentários:

Cris Medeiros disse...

Lindo texto!

Tb sou fã das entrelinhas!

Beijos

Maria Cláudia S. Lopes disse...

caralho, muito bom!
mas será que existe sujeito sem subjetividade?
e o que fazer com as outras cores quando só se enxerga o preto e o branco?
as entrelinhas são os semitons da vida gata...bejim

Pattiê, disse...

Meu deeeeus, Maria! Eu sei que as entrelinhas são os semitons... Eu as enxergo a todo momento, e esse texto não é sobre a minha pessoa... hehehe... ;-)

Anônimo disse...

não dá para fazer um comentario sobre o que acabo de ler aqui, por varios motivos, o principal é que o conteudo está foda, do caraleo, como disse srta mcsl. e tb, elogiar a autora pode parecer bajulação barata aos ouvidos menos atentos... salieri sai da sala...