sábado, 2 de maio de 2009

O SEGREDO DA PLENITUDE

Sei, mais e melhor que muita gente, o quanto é difícil chegarmos a ser o que realmente somos. Tenho lutado diariamente com o melhor e o pior de mim, aparando arestas e criando extensões do meu ser onde antes apenas o vazio reinava. Tenho destruído mitos e ícones, e empregado um esforço sobre-humano na árdua tarefa de me transformar no melhor que posso ser para mim mesma. É difícil chegar ao pico, ao monte mais alto, sem antes ter passado por todo o tipo de planície e superfície que qualquer indivíduo está sujeito a pisar. É difícil alcançar um grau elevado de autoconhecimento a ponto de nos tornamos senhores plenos de nós mesmos. O todo, na maioria das vezes, é utópico, e certamente morreremos sem nos tornarmos nosso melhor eu, nossa obra mais perfeita e completa. Morreremos faltando um pedaço. Deixaremos um vazio, mínimo que seja, para a posteridade. Morreremos incompletos – e isso provavelmente revelar-se-á, no momento de nossa morte, como uma certeza absoluta e incontestável.

Portanto, e já de posse dessa certeza, que poderá se revelar uma das únicas, se não a única, que terei por toda a vida, descobri que dificilmente passaremos por essa vida sem travarmos lutas diárias com nosso próprio eu, nosso ego e nossa vontade de simplesmente nos entregarmos à vida, soltarmos as rédeas a fim de que os cavalos corram soltos, sem amarras. Lutas que travaremos em plena luz do dia, nos construindo a cada possibilidade perdida, a cada passo em falso que por ventura venhamos a dar. E para essas lutas contaremos com as únicas armas que nos foram entregues no momento em que abrimos os olhos para a luz: nossas convicções, nossos valores e nossa sede de ser. É com essas armas que alcançaremos o êxtase daquilo que para nós é mais importante: seja uma vida abastada, seja uma vida segura, seja uma vida de méritos ou seja uma vida que foi realmente vivida e saboreada. É só a partir dessas armas que saberemos escolher qual caminho seguir, e qual atalho descartar.

Durante muito tempo de minha existência não entendi os motivos que me levaram sempre a me colocar em situações onde eu pude contar apenas comigo, com meu eu, e com minha capacidade de analisar qual a melhor saída para que tudo tomasse o rumo que eu queria que tomasse. Sempre achei que esse era um modus operandi que não tinha muito porquê de existir, uma vez que ele apenas complementava uma tomada de decisão e que, na minha visão míope do todo, era maior que qualquer outra coisa. Nunca havia pensado esse modus operandi, que facilmente pode ser classificado como conduta, como sendo o responsável direto pelo curso que minha vida toma a cada passo que dou no intuito de construir uma vida que realmente valha à pena.

(Não é de hoje que convivo lucidamente com esse meu modus operandi. Mas é de pouco tempo, bem pouco, que aprendi a conviver pacificamente com ele. E creio (exatamente neste momento) que é de poucas horas que tenho conseguido fazê-lo jogar a meu favor. Antes o que era para mim um fardo a carregar, agora é uma diversão. É claro que como toda diversão, essa brincadeira tem hora e momento, mas estou aprendendo que quanto mais pratico, mais fluente a coisa toda torna-se, e mais aceitável para minha alma ela passa a ser).

O fato de não ser “política” é apenas a ponta de um iceberg que agora começa se tornar claro. Hoje quando vejo, ou leio, pessoas que realmente tem ou tiveram uma vida digna, dizendo que não fizeram concessões, que não abriram mãos de seus valores, que não desistiram de dar o melhor de si para si mesmo, é nessas horas que entendo o sentido real da palavra “concessão”. Quando experimento o sentimento de ser livre, de desfrutar dessa liberdade, nesse momento compreendo que a única concessão que se é permitida fazer é aquela que fazemos para nosso eu. É aquela que fazemos para cobrir uma brecha da alma, ou então aquela que usamos para fechar uma ferida que está insuportavelmente inflamada e latente. Sinceramente ainda não vi outra aplicação para a palavra concessão que não seja para esses casos. É claro que não descarto a possibilidade de fazer concessões a troco do bem estar de pessoas que me são caras, mas creio que isso se aplicará no dia em que eu olhar para um ser e saber que ele, ainda, é indefeso e que depende de mim para tomar suas decisões. Como não pretendo ser mãe tão cedo, reservo-me ao direito de fazer concessões apenas a mim mesma.

O ser humano, as pessoas com as quais nos relacionamos todos os dias, todas elas tem suas condutas, suas manias e seus motivos, que formam um conjunto, um kit de sobrevivência. Para algumas pessoas esse conjunto se dará de forma consciente e, portanto, elas saberão usá-lo de modo que o conjunto jogue a favor delas. Outras o terão de forma totalmente inconsciente, e infelizmente a essas pessoas será reservado o amargo de se sentirem frustradas na maioria das situações da vida. Os que se tornam conscientes de seu conjunto terão sempre duas alternativas para quando de sua utilização: aplicá-lo de forma ética, e aplicá-lo de forma pessoal e inescrupulosa. (Gostaria que nesse momento o leitor se despisse de qualquer demagogia). Os que não se tornam conscientes, a esses resta apenas contar com a intuição, com a sorte, ou em um grau mais elevado na metafísica, contar com o que chamam de destino. (Vale uma ressalva para o fato de que nada é imutável, e uma pessoa que se achava consciente de seu conjunto pode estar simplesmente equivocada e agindo de forma que sua natureza, ora ou outra, reclamará seus direitos de se fazer ouvida. A esses eu diria que falta apenas o que conhecemos por autoconhecimento).

A partir do momento em que nos tornamos conscientes de que todos nós temos o que chamei de conjunto, a partir daí passamos a interagir com as condutas alheias. Antes de tomarmos consciência, somos um bando que age apenas instintivamente e não raro nos debatemos, como peixes quando saem de seu habitat natural e passam a sofrer com a dificuldade de respiração. E, assim como os peixes, se não voltarmos rapidamente para a água, que é o habitat, correremos o sério risco de não sobrevivermos. Muitas pessoas, pela incapacidade de consciência, se tornam parte da massa, e graças à alienação acabam sobrevivendo e passando incólumes por uma série de acontecimentos que fervilham ao seu redor, e justamente porque permanecem no tanque cheio de água. Quando nos tornamos conscientes passamos a agir de acordo com nosso modus operandi e aprendemos a identificar o modus operandi do outro. É nessa hora que estamos interagindo. Nessa hora que estamos jogando o jogo da sobrevivência. Que estamos decidindo entre conceder ou lutar bravamente, entre aceitar a derrota e passar o resto da vida se lamentando, ou partir para a próxima de cabeça erguida e peito estufado. É nessa hora que estamos vivendo perante nós mesmos, e não apenas existindo.

O caminho mais fácil de seguir é aquele onde as cobranças serão muito mais externas do que internas. É mais fácil administrar a frustração alheia, é mais fácil administrar a cobrança do outro. Uma vez entregues ao comodismo de estarmos sob os olhos do outro, nós dificilmente conseguiremos nos mantermos conscientes para que as rédeas da vida sejam retomadas e os cavalos sejam colocados em ordem. E quando nos tornamos objeto de manipulação do outro, entramos em um círculo vicioso, onde a autopiedade e a autoflagelação cumprem o papel da recompensa. É nessa hora que vemos nossas vidas invadidas por pessoas que, como tiranos, tiram o que de melhor há em nós, que era nossa capacidade de acreditarmos em nós mesmos. Assim como existem pessoas que se baseiam na ética, e utilizam seus conjuntos de forma a viver uma vida digna, outras simplesmente se despem dos escrúpulos e buscam na vida do outro a satisfação de seus desejos mais algozes. Em contrapartida, quando escolhemos o caminho mais difícil, que é onde as cobranças partirão de dentro de nós mesmos, estamos nesse momento assinando um termo de responsabilidade, e isso implicará em nos conhecermos, sermos conscientes de nossos conjuntos e aprendermos a jogar com nosso modus operandi de forma que ele se transforme em uma diversão, e que jogue a nosso favor. O resultado da brincadeira pode ser uma vida um pouco mais solitária, mas que se revelará liberta, onde poderemos usufruir dessa liberdade sem que um ou outro nos cobre o que quer que seja.

Quando Clarice disse “liberdade é pouco, o que eu quero ainda não tem nome”, talvez ela estivesse se referindo à plenitude. Por que o máximo que se pode alcançar, depois da liberdade, é a sensação de sermos plenos, e de levarmos uma existência que nos conduzirá à plenitude, em todos os sentidos. Uma vida digna, cheia de altos e baixos, como toda vida deve ser, mas consciente e repleta de vivências que nos farão saber, no momento em que partirmos, que não fomos tudo aquilo que poderíamos ter sido, mas que gozamos de uma vida que valeu a pena, cujas ações nos ajudaram a construir o melhor que jamais imaginamos que poderíamos construir: um Eu verdadeiro e repleto.

2 comentários:

Anônimo disse...

" O tipo de filosofia que se escolhe depende do tipo de pessoa que se é" Johann Fichte
Vou brincar de Harry Potter.... vou
"assinar" como Você Sabe Quem

Bjs

Juliana Menz disse...

uau"!
vc sabe quem????

bom, pelo jeito AGORA SIM disse tudo.

Amém.
bjos