ESCOLHA O SEU SONHO

*Foto do sebo mais empoeirado que já vi

Foi graças a essa frase que naquele momento me senti pronta para conquistar o mundo: escolha seu sonho. Me senti poderosa, ambivalente, e disposta de verdade a escolher o sonho que eu quisesse sonhar, independente de qualquer intervenção externa. Ser poeta? Astronauta? Curadora? Cheff, quem sabe? Ser uma pessoa com paciência para enfrentar, lutar, pagar o preço, mesmo que caro, pra ver? Sim, tudo isso entrava na conta e na vontade que me tomou.

Entrei no sebo confiante na possibilidade de encontrar um livro surpreendente. E com aquela velha mania de desbravar sentimentos, entrei na esperança (sim, esperança) de topar, de repente, com alguma obra que tirasse o meu chão, ou o devolvesse. Lugar interessante, pensei eu, ainda sóbria demais pra estar em um ambiente cujo mofo e pó podem ser sentidos a metros de distância. Já entrei em sebos tão interessantes quanto aquele, mas juro que nunca vi tanto pó e mofo junto em um mesmo lugar. O lugar? Avenida São João, embaixo do minhocão. Do outro lado alguns moradores do lugar, dormindo sob a poluição e o olhar constrangido de quem passa pelo local, e apenas uma constatação: esse país não pode ser sério! Não pode!

Bem... mas voltando ao sebo. Entrei, desbravei, e poucos passos à frente percebo um livro. Meio tímido, inclusive, e numa pilha de outros livros onde o tema "fique rico de uma vez por todas"era totalmente adverso ao que ele propunha. Cocei os olhos... não conseguia e nem podia acreditar que aquele livro, com tal propósito, pudesse estar entre tantos outros desaforados - que, diga-se de passagem, quase pulavam em meus braços. Com esforço o resgatei das trevas, muito esforço.

O dono, naõ muito simpático e um tanto quanto safadinho, me ajudou a libertá-lo da pilha ameaçadora dos livros ameaçadores, no mundo ameaçador. Eu o resgatei. EU! E no momento em que pude tê-lo, e com todas as letras, T-Ê-L-O, finalmente descansei da busca insana. Ainda bisbilhotei por entre outros, mas sabia que havia ganho o dia: finalmente eu poderia escolher meu sonho! Quase fui pega de surpresa quando um livro safado e mal intencionado cruzou o meu caminho. Dizia ele: um olé em Deus. Como pode, um olé em Deus? Se eu nem sei se o tal existe, como posso dribá-lo feito um centrovoante pronto a meter o biquinho da chuteira na redonda que já está conformada com o gol de placa? Não, não me deixei enganar. E como o tal do olé estava em uma pilha enorme, cheia de títulos obscuros e divinos, achei melhor deixá-lo por lá. Alguém certamente precisa mais dele do que eu.

Fui pra casa feliz, orgulhosa mesmo, de ter adquirido um livro cujo título me dá a possibilidade de sonhar pelo resto de minha vida. E poderia ter vindo com suas folhas em branco, até. Mas ainda bem que Cecilia, a Meireles, deu o ar da graça nas 131 páginas que compõem tal obra. Obrigada Cecília, você, hoje, salvou a minha vida!