Não sou o tipo de pessoa que acredita em certezas. Muito menos as tenho. Entendendo, claro, que certeza é bem diferente de valores – esses eu cultivo com orgulho e tenho prazer em cultivá-los. Pois bem, e não me dando tanto com certezas absolutas, tenho dentro de mim uma angústia que me corrói todos os dias: a mania de generalização. Explico... Como não sou dada a verdades absolutas, carrego comigo a angústia de saber, e sentir, duas coisas que o ser humano, frequentemente, coloca em prática: egoísmo e prepotência. Sempre que penso na humanidade e na sua vontade de potência¹ (vontade de poder), não consigo deixar pensar que egoísmo e prepotência sejam características inerentes a cada um de nós – e estou mesmo generalizando. Bom, e onde estou querendo chegar com tudo isso? – antes que o papo fique chato, não é? Estou querendo chegar aos relacionamentos humanos, sejam eles de que espécie for.
Costumo pensar que antes de sermos de alguém, temos que ser nossos – e só nossos. Antes de pertencermos a um grupo, a uma família, a uma amizade sincera, a um relacionamento amoroso, temos que construir e cultivar um “auto-relacionamento”. Algumas pessoas simplesmente não se dão conta de que isso é necessário. Outras se dão conta demais, e aí se fecham para o mundo exterior e convivem tão a sós com o seu eu, que se tornam “esquizofrênicos funcionais”. O ideal, e isso em minha opinião, seria tomarmos um caminho do meio, contendo atalhos ou não, mas manter o equilíbrio na busca por uma harmonia. E como chegaríamos a esse equilíbrio? Não sei, mas para mim o que funciona é a filosofia e o autoconhecimento. Alguns encontram esse equilíbrio na religião, outros na prole, outros apenas observando o mundo e tomando nota, enfim, cada um decide qual é o seu modus operandi. Só depois de se conquistar um equilíbrio, de pertencer a si mesmo, de se saber e se conhecer, é que podemos pertencer à outra pessoa, a um grupo, a uma amizade...
Pensando nisso – no autoconhecimento, na busca pelo equilíbrio, no quão difícil e prazerosa é a vida, na questão do pertencimento – não posso deixar de pensar nas pessoas que passam pelo nosso caminho – e somente passam -, pelas que passam e ficam e pelas que, por ventura, irão passar. Porque, é fato, depois de pertencer a si mesmo – o que já ocorre desde o momento de nosso nascimento – o ser humano precisa e quer pertencer ao mundo. Ele necessita ser o outro, saber o outro. Ninguém é uma ilha – e talvez essa seja mais uma certeza que me dói fundo. E quem é o outro? Quem são os outros? Quem é o mundo? Como é o mundo? Essas respostas encontramos diariamente, diuturnamente, em tudo o que fazemos, em tudo o que pensamos, em tudo o que observamos. O outro é a extensão do meu ser. O outro é tudo aquilo que eu não posso ser, que eu não quero ser, que eu não consigo ser. E é aí que entra o nosso egoísmo e prepotência, exatamente nesse ponto. Prepotência porque muitas vezes fechamos o nosso mundo para que o novo entre – o que sabemos já basta. Batemos a porta na cara da novidade, desperdiçamos oportunidades maravilhosas de aprender, de compartilhar, de doar e receber. Egoísmo porque esquecemos que só sabemos alguma coisa porque um dia fomos ignorantes, e esquecendo disso somos presunçosos a ponto de concluir que as pessoas tem a obrigação de se colocarem prontas em nossas vidas. Mas não nos damos conta do quão utópico é esse “pronto”. Ninguém nasce pronto, e morreremos imperfeitos e incompletos. E aos sermos egoístas no compartilhar, ao sermos prepotentes em achar que ninguém tem nada a nos mostrar, nos enclausuramos. Sim, e aí desenvolvemos todo e qualquer tipo de patologia que a sociedade moderna está entrando em contato. Tornamos-nos escravos das nossas verdades, dos nossos quereres, e esquecemos que ninguém está sozinho. O engraçado é que vejo isso acontecer exatamente com as pessoas que não se pertencem. Que precisam de uma “muleta” pra seguirem suas vidas. Que não tem coragem de olhar a vida com os olhos bem abertos e de peito estufado.
Acredito que antes de construir, é preciso desconstruir. Ou então habitar mata virgem e fazer ali seu reino, no cru, no desabitado. Mas pessoas não são cruas, não são matas virgens, não são desabitadas e também não merecem serem destruídas – afinal de contas cada um tem a sua história. O mundo não é virgem. Antes de destruir, eu quero edificar. Antes de demolir, eu quero conhecer. Antes de saber, eu quero ser. Antes de pressupor, eu quero perguntar. Antes de mostrar, eu quero ver. E antes de receber, eu quero dar.
Torço para que você não esteja pronto(a).
1 – A argumentação que se segue encontra-se em sua forma original em “Eterno Retorno” (http://pt.wikipedia.org/wiki/Eterno_retorno). Nietzsche afirma nos textos de 1881: “E sabeis... o que é pra mim o mundo”?... Este mundo: uma monstruosidade de força, sem princípio, sem fim, uma firme, brônzea grandeza de força... uma economia sem despesas e perdas, mas também sem acréscimos, ou rendimento,... mas antes como força ao mesmo tempo um e múltiplo,... eternamente mudando, eternamente recorrentes... partindo do mais simples ao mais múltiplo, do quieto, mais rígido, mais frio, ao mais ardente, mais selvagem, mais contraditório consigo mesmo, e depois outra vez... esse meu mundo dionisíaco do eternamente-criar-a-si-próprio, do eternamente-destruir-a-si-próprio, sem alvo, sem vontade... Esse mundo é a vontade de potência — e nada além disso! E também vós próprios sois essa vontade de potência — e nada além disso!”
3 comentários:
Concordando com o caminho do meio!!!
Olha querida.... geralmente este demorronamento é muito dolorido, e vivemos em uma época da cultura da felicidade.... de se sentir perdedor por dúvidas e mudanças!
eu me desmorronei recentemente, por conta de uma grave doença!
a unica parte boa da história foi a reconstruçao, com menos arrogancia e orgulho....
adorei o post, gostei da profundidade, coisa rara!
beijos.
Lindo post. Fazia tempo que não te visitava, né? Fica um beijo enorme.
Carpe Diem!!
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